quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Novo relatório da ONU avalia se biocombustível é herói ou vilão


Uma reunião científica que começou na segunda (26) no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP), pode ser decisiva para o papel dos biocombustíveis na luta contra as mudanças climáticas. O objetivo do encontro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, é determinar qual o futuro das energias renováveis, produzindo um relatório que vai guiar políticas públicas no mundo inteiro. Os 150 cientistas de 48 países, dos quais sete brasileiros, passarão toda a semana debatendo o tema no Inpe, mas o resultado final do esforço só deve sair no segundo semestre do ano que vem.

Os pesquisadores reunidos pelo IPCC não têm o papel de produzir novos dados científicos, mas de determinar, com base em estudos já publicados, qual é a última palavra sobre determinado tema ligado às mudanças climáticas. No caso das energias renováveis, uma questão que interessa diretamente ao governo e à economia do Brasil promete gerar muita discussão: a produção de etanol (álcool de cana) e de biodiesel no país é mesmo um bom caminho para diminuir a quantidade de gases causadores do efeito estufa na atmosfera? Dúvidas também pairam em relação à energia hidrelétrica, sempre citada como um carro-chefe da matriz renovável brasileira. Para certos críticos, ambas as formas de energia são menos "limpas" do que aparentam.

Dados apresentados na abertura do evento, organizado a convite do governo brasileiro no Inpe, que tem grande tradição nos estudos sobre aquecimento global, deixam clara a gravidade da situação atual. Um dos fenômenos recentes, afirmam os cientistas do IPCC, é o chamado "renascimento do carvão mineral", uma das fontes energéticas mais preocupantes em termos de emissões de gases-estufa, dos quais o principal é o gás carbônico. O carvão voltou a ganhar destaque por causa da alta do preço do petróleo. Além disso, as projeções do IPCC indicam que, sem um aumento considerável do uso de energias renováveis, o mundo não conseguirá estabilizar a quantidade de gases-estufa na atmosfera, o que pode significar um aquecimento global fora de controle.

Na abertura dos trabalhos, um dos coordenadores do relatório, o cubano Ramón Pichs-Madruga, lembrou seus colegas de que as soluções de energia renovável avaliadas pelo grupo "não devem interferir com outras formas de sustentabilidade, como a preocupação com os ecossistemas e a biodiversidade". É difícil não relacionar a advertência à produção de etanol e biodiesel no Brasil, frequentemente vista como um motor do desmatamento na Amazônia e em outros biomas do país.

Nesse caso, os gases-estufa que deixam de ser emitidos com o uso de biocombustíveis acabariam sendo contrabalançados pelos que são gerados no desflorestamento, de acordo com alguns críticos. "São coisas que ainda estão mal discutidas cientificamente", avalia José Domingues Miguez, coordenador de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia. "Muitos cientistas estão impregnados do ponto de vista das suas sociedades e podem enxergar essa questão de forma parcial", diz Miguez, para quem os biocombustíveis não têm funcionado como motores do desmatamento.

Cadeia produtiva - Outra questão em aberto envolve a cadeia produtiva do etanol e do biodiesel - há quem afirme que a emissão de gases-estufa necessária para produzir biocombustíveis é menos favorável do que normalmente se considera, estando mais próxima do que se vê com combustíveis fósseis. "Alguns anos atrás alguns artigos científicos propuseram que a contabilidade de gases-estufa do etanol estava incompleta. Se levássemos em conta a produção de óxido nitroso, que é um gás-estufa, os biocombustíveis teriam um efeito negativo para o aquecimento global", exemplifica José Roberto Moreira, do Centro de Referência de Biomassa da Universidade da USP. Moreira coordenará o capítulo sobre biomassa do relatório do IPCC.

Mesmo no caso da energia hidrelétrica, algumas incertezas importantes ainda existem. Um problema potencialmente sério é a produção de metano, um potente gás-estufa, a partir da vegetação alagada durante a formação do reservatório das hidrelétricas. O problema, diz Miguez, é saber se o grosso do metano vem mesmo dessa decomposição ou está ligado à vegetação trazida naturalmente do rio, ou até ao despejo de esgoto nos reservatórios.

Em duas áreas estratégias, o relatório provavelmente trará poucas novidades. Duas possibilidades para aumentar a eficiência da biomassa como fonte de energia renovável envolvem a transformação da celulose (a molécula que forma a parede das células vegetais) em combustível e a criação de variedades transgênicas mais produtivas. Em ambos os casos, a ciência ainda não avançou o suficiente para que hajam resultados concretos. (Fonte: Reinaldo José Lopes/ G1)

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